Vendo a vida de trás para frente

Imagem: Laurindo Feliciano

Imagem: Laurindo Feliciano

Esta manhã fui conversar com alguns alunos do ensino médio que fazem parte do projeto Starfish em Indianapolis. A Starfish é uma organização sem fins lucrativos que ajuda jovens em desvantagens econômicas a irem para a universidade e perseguirem sucesso profissional. A conversa, informal, com uns 20 jovens, foi sobre a carreira empreendedora e foi muito reveladora, pois a conversa acabou me levando a perceber algumas coisas que não havia me dado conta antes.

Por exemplo, um dos indicadores que a UIndy mais valoriza é o número de novos alunos da graduação que são os primeiros de suas famílias a ir para a Faculdade. Aparentemente é uma conquista muito importante, uma vez que, para a família, é um sinal de que seu filho pode sonhar com uma carreira ao invés de apenas ter um emprego. O que eu nunca tinha me dado conta é que eu também sou o primeiro da minha família a ir para a Faculdade e apenas conversando com alunos eu entendi a importância deste fato.

Uma das perguntas que me fizeram foi como eu comecei a pensar de forma diferente sobre minhas perspectivas de carreira a ponto de achar que universidade seria um caminho possível para mim. Embora para mim, ir para a Faculdade sempre foi um plano, resgatando minhas lembranças, me dei conta que, o normal era arrumar um emprego e sobreviver dele, esta era a perspectiva de vida entre jovens da minha idade, no bairro em que eu vivi.

Acredito que devo a meus pais esta visão de possibilidades mais ambiciosas, eles sempre me incentivaram a me preparar para a Faculdade, seja por meio do estudo, independentemente de estar em uma escola pública, seja por meio da poupança. Desde que comecei a trabalhar, com 14 anos (naquela época podia) tudo o que eu ganhava era para guardar para uma eventual Faculdade. Ao contrário de meus amigos que também trabalhavam, meus pais queriam que eu guardasse o dinheiro para a Faculdade ao invés de ajudar nas despesas da casa. Era uma vida frugal, simples, mas suficiente para o que precisávamos.

Bem, no final, acabei indo muito além de ter um diploma. Provavelmente eu devo ter tido outros incentivos que me empurraram para frente, antes mesmo de aprender sobre empreendedorismo (isto só aconteceu em 2001 quando fui exposto ao ambiente empreendedor na competição de planos de negócios organizada pela Universidade do Texas). Ainda aproveitando o embalo da curiosidade dos jovens sobre minha trajetória, acabei me lembrando de um marco importante na minha carreira. Minha demissão da Cargill, com 31 anos de idade, 13 anos de empresa, e uma esposa grávida de nossa primeira filha. Foi minha primeira demissão.

Não preciso dizer que o mundo caiu para mim. Minhas certezas, minha autoconfiança, minhas crenças, minha autoimagem e meu orgulho. Em retrospectiva, acho que foi uma das coisas mais importantes que aconteceram na minha vida. A vida às vezes nos dá um chacoalhão para sairmos do marasmo da rotina pessoal e profissional, para nos despertar para coisas que não estávamos percebendo. Uma demissão, por mais dolorosa que seja, é necessária. Foi a época em que mais aprendi sobre mim mesmo, em que mais refleti sobre o futuro e que realmente me dei conta de que não existe nada assegurado na vida, tudo é transitório e se você não tiver a coragem de ter a iniciativa de mudar, alguém mudará por você, o que é bem pior.

Também falei sobre a decisão de deixar uma carreira promissora em uma multinacional para me dedicar à minha primeira startup, falei sobre quebrar os paradigmas da educação superior porque você acredita que pode fazer mudanças significativas e a coragem de mudar de vida aos 53 anos de idade para um país diferente e com cultura diferente, recomeçando a vida ao abandonar a segurança de uma vida estável, mas congelada, por outra, incerta, mas cheia de possibilidades.

Você deve se perguntar se é preciso um grupo de alunos te fazendo perguntas para começar este tipo de reflexão sobre sua própria vida ou se existe um jeito mais simples de realizar este processo de autodescoberta. Na Polifonia, temos uma atividade muito interessante de autoconhecimento, conhecido como Golden Spiral. Em um amplo espaço aberto, espalhamos pelo piso um número de placas numeradas de 1 até a idade do participante mais velho, em formato de espiral, iniciando do número 1 no centro da espiral. Cada participante, em ordem sequencial, começa sua jornada na Golden Spiral se posicionando sobre a placa nº 1 e tentando lembrar de tudo o que puder sobre o seu primeiro ano de vida, em silêncio, mesmo que sejam memórias construídas pelos relatos dos pais e familiares – mudança de casa, cidade, um acidente etc. Depois passa para a placa 2 e tenta lembrar de tudo de relevância com 2 anos de idade, e assim por diante, até chegar na sua idade atual. Um por um, todos os participantes repetem o processo.

É comum, ao observar os participantes revendo suas jornadas, começarem a rir sozinhos ou a chorar compulsivamente. Na segunda rodada, eles voltam à espiral no ano em que algo relevante aconteceu na vida deles e se reúnem em pequenos grupos para discutir suas lembranças, enfatizando as melhores e as piores memórias e como elas podem ter influenciado as decisões que tomaram na vida que as conduziram até onde estão hoje. O curioso é que sabemos de tudo isso, mas quando resgatamos isso de forma consciente e as compartilhamos, seja neste exercício de autorreflexão ou em outro qualquer, é que percebemos o quanto crescemos e evoluímos, e não necessariamente por causa de estímulos positivos, mas por meio de duras lições.

Faça você mesmo esta experiência. Uma forma bastante agradável de fazer isso é revendo fotos antigas dos amigos e da família. Faça isso em silêncio, quando estiver sozinho e tranquilo. Não meça o tempo, fique o tempo que for necessário, tente imergir dentro de suas memórias e faça perguntas a si mesmo sobre suas lembranças: Porque tal evento aconteceu? Como foi sua reação? Como poderia ter sido diferente? Como o fato pode ter influenciado o que você acredita e defende hoje? Redescobrir isso agora muda algo em você? E assim por diante.

Muitas respostas sobre quem somos e por que somos assim, vem do nosso passado, das nossas experiências e nem todas você tem orgulho, mas todas foram válidas pois fizeram de você quem é você hoje. Não podemos mudar o passado, mas aprender mais sobre você olhando para trás te ajuda a olhar para frente de uma forma mais otimista e mais segura. 

Por Marcos Hashimoto

Co-fundador da Polifonia e Professor de Empreendedorismo na Universidade de Indianapolis - EUA, consultor de negócios e especialista em inovação corporativa.

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